SOBRE O FILME

Dirigido por Cacá Diegues e lançado em 1966, apresenta também o sugestivo subtítulo de As aventuras e desventuras de Luzia e seus três amigos chegados de longe. Anunciando, em linhas gerais, a estrutura do filme: Luzia [Anecy Rocha] sai do Nordeste e ruma até o Rio de Janeiro em busca de seu noivo, Jasão [Leonardo Villar]. Quando chega em seu destino, ela recebe a ajuda de Calunga [Antônio Pitanga], que representa uma figura estereotipada de "malandro", além de praticamente conduzir a história. Em pouco tempo Luzia encontra com Jasão e percebe que ele se tornou um famoso fora da lei procurado pela polícia carioca. Os caminhos trilhados por eles a partir daí levam a destinos trágicos, sendo ambos vítimas da violência urbana da grande cidade.

CRÉDITOS REDUZIDOS

Produção: Luiz Carlos Barreto, Carlos Diegues e Glauber Rocha
Roteiro: Carlos Diegues e Leopoldo Serran
Direção: Carlos Diegues

Direção musical: Moacir Santos
Tema "A Grande Cidade": Zé Keti
Excertos musicais de: Heckel Tavares, Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Francisco Mignone, A. J. S. Monteiro, etc.
Gravação e ruídos: José Antônio Ventura
Engenheiro de som: Aloísio Viana


MÚSICAS IDENTIFICADAS NA TRILHA

"Rudepoema", de Heitor Villa-Lobos

"Confidências" e "Odeon", de Ernesto Nazareth

"Modinha", primeiro movimento do Concerto em Formas Brasileiras, de Heckel Tavares

"4ª Suíte [Primeira Missa no Brasil]" da obra Descobrimento do Brasil, de Heitor Villa-Lobos

"Que noites eu passo", de A. J. S. Monteiro

"Estudo nº 11", de Heitor Villa-Lobos

"Mazurka-Choro", primeiro movimento da Suíte Popular Brasileira, de Heitor Villa-Lobos

"Walk on by", de Burt Bacharach e com letra de Hal David. Interpretação de Dionne Warwick

"Sabino e Lampeão" e "Escuta donzela", de Volta Sêca

"Nasci para Chorar", versão em português de Roberto Carlos para "I was born to cry", de Dion DiMucci.

"Anda Luzia", de João de Barro. Interpretação de Maria Bethânia

"Cidade Brinquedo", de Silvino Neto e Plínio Bretas. Interpretação de Orlando Silva


DESCRIÇÃO E ANÁLISE DA TRILHA

Dois anos depois da parceria em Ganga Zumba, o diretor Carlos Diegues escalou Moacir Santos novamente para trabalhar em A Grande Cidade, mas dessa vez apenas como diretor musical e não como compositor. Essa mudança significa, na prática, que nenhuma composição de Moacir foi utilizada na trilha do filme, diferentemente de seus outros trabalhos para produções audiovisuais. Nesse caso, ele atuou na escolha das músicas a serem utilizadas e em suas inserções dentro do filme, tendo em vista a construção dramática por meio da música. Muito interessante notar como as músicas escolhidas por Moacir para a trilha de A Grande Cidade seguem um posicionamento estético semelhante aos seus trabalhos como compositor nos filmes anteriores, como veremos a seguir.

Ao longo da trilha, são ouvidas algumas inserções musicais compostas por peças para piano solo e, em geral, elas estão articuladas com a narrativa de forma semelhante. Como por exemplo na representação de uma espécie de "inferno astral" dos personagens. Em um caso, a composição identificada é "Rudepoema", de Heitor Villa-Lobos, passando uma sensação obscura e introspectiva. Em outro, a música "Confidências", de Ernesto Nazareth acompanha uma sequência delicada e com caráter nostálgico. Já "Odeon", também de Nazareth, é apresentada em uma sequência que remete ao período do Cinema Mudo, com plano acelerado e trilha sonora sem nenhum som diegético, lembrando os acompanhamentos musicais ao estilo dos pianeiros do fim do século XIX.

Dentre todos os trechos orquestrais presentes na trilha é possível reconhecer e organizar três grupos distintos: formações tradicionais, formações com piano solista e formações com coro ou voz solista. Um primeiro exemplo de uso orquestral na trilha é a "Modinha", primeiro movimento do Concerto em Formas Brasileiras, de Heckel Tavares. Todas as inserções dessa música acompanham a busca de Luzia por Jasão. O próprio Diegues chega a considerar a composição de Tavares como "o tema principal do filme". Em outro ponto da trilha, ouve-se a "4ª Suíte [Primeira Missa no Brasil]" da obra Descobrimento do Brasil, de Heitor Villa-Lobos. Uma sonoridade moderna e onírica totalmente adequada à sequência da alucinação de Inácio. Outro exemplo interessante é o uso da composição "Que noites eu passo", de A. J. S. Monteiro: o trecho com cravo, coro e orquestra remete a um repertório litúrgico e ocorre quando Inácio e Luzia se abrigam da confusão das ruas em uma igreja e Inácio reclama da "impureza" do carnaval.

Outra sonoridade marcante da trilha é o uso de peças para violão solo que, em geral, têm a função narrativa de representar diferentes fases da relação de Jasão com Luzia. As composições utilizadas são o "Estudo nº 11", de uma série de doze estudos, e a "Mazurka-Choro", primeiro movimento da Suíte Popular Brasileira, ambas de Heitor Villa-Lobos.

Em três momentos da trilha ocorrem inserções diegéticas de um batuque carnavalesco, de maneira a retratar o que se vê na sequência. Essas inserções servem para situar a história temporalmente, primeiro, quando Luzia chega ao Rio e vemos uma escola de samba ensaiando. Depois, a semana de carnaval efervescendo a cidade enquanto o filme se desenrola até chegarmos ao ápice no final do filme, quando Luzia e Jasão morrem na quarta-feira de cinzas, encerrando a história e o carnaval.

A única música composta especificamente para a trilha é "A Grande Cidade", de Zé Keti [1921-1999]. Se trata da canção homônima, que funciona como tema principal da obra e paraleliza a narrativa com sua letra. A relação dessa canção com o filme é dada sobretudo pelo fato dela ser parte da história, podendo ser considerada até mesmo como uma personagem. No início do filme a canção é vendida em uma feira e passa a ser o carro-chefe do carnaval daquele ano. Mais tarde, a música é ouvida quando Calunga corre pelas ruas do Rio de Janeiro tropeçando em indigentes e no lixo deixado para trás após a semana de festas, nesse momento a otimista letra da canção antagoniza o que é visto no plano imagético, ressignificando-o.

Outra característica da trilha é o uso de uma série de canções com a função específica de comentar a narrativa, ao estilo do antigo coro da tragédia grega. Algumas vezes elas são ouvidas dentro das cenas, mas seu uso é nitidamente extra-diegético, sendo seu entendimento parte integrante no contexto audiovisual. Outra característica unificadora dessas canções, é que elas permitem ao espectador que se situe temporalmente, pois retratam o período em que se passa a história com músicas que fizeram sucesso ou que foram veiculadas nos anos que precedem o lançamento do filme, que acaba resultando também em uma melhor e mais ágil assimilação por parte do público.

Em uma entrevista, Diegues comenta sobre a produção da trilha: "Hoje talvez seja mais caro fazer uma trilha com fonogramas de disco do que uma trilha original. [...] isso já tem outro valor no mercado cinematográfico, fonográfico, mas naquela época não, era um fator de barateamento muito grande. E a gente usava discos em grande parte por causa disso mesmo". Ou seja, um dos fatores determinantes para a estética dessa trilha foi o financeiro, pois na época o pagamento de direitos autorais ainda não tinha o mesmo peso e as trilhas feitas usando composições pré-existentes reduziam drasticamente os custos. No entanto, o uso abundante de obras de Villa-Lobos também está ligado a uma corrente estética nacionalista do Cinema Novo nos anos 1960, quando mais de uma dezena de produções utilizou obras desse compositor como parte de suas trilhas musicais.

Vale lembrar que os créditos iniciais e finais do filme são um tanto vagos e não descrevem detalhadamente as obras musicais utilizadas. Por conta disso, foi relativamente difícil de se identificar a autoria de grande parte das músicas.

O papel de Moacir Santos como diretor musical de A Grande Cidade é notável, comparando-se às produções em que atuou como compositor. Em ambas as funções se percebe que sua abordagem é semelhante, pois as refinadas escolhas de materiais que dialogam com as narrativas fílmicas dão coesão às obras, além de estruturá-las poeticamente.

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A Grande Cidade  PERÍODO BRASILEIRO
Lançado comercialmente no Brasil em junho de 1966, dirigido por Carlos Diegues